Mil nove e oitenta e cinco, lá pró mês de Outubro: Portugal ganhava a Malta por 3-2, com uma exibição mais fraquinha do que um idoso comatoso. Para se apurar para o Mundial do ano seguinte, Portugal teria de ganhar à então RFA em solo alemão, e, ao mesmo tempo, a então Checoslovaquia teria que ganhar à então Suécia (que por acaso ainda é Suécia). A Checoslovaquia já não tinha hipóteses de se apurar, pelo que à partida teria pouca motivação para levar de vencida os altos e louros. Já a RFA tinha Shumacher, os manos Foerster, o Briegel, o Voeller, o grande Karl-Heinz Rummenigge, mais uma data de rapaziada muitissimo habilitada fisica e tecnicamente para a prática do futebol. Eram tempos em que a frase "Futebol é um jogo inventado por ingleses e que os alemães ganham sempre" fazia todo o sentido. Para piorar a situação, a RFA nunca, nunca, repito, tinha perdido um jogo em casa em apuramentos para Mundiais. Perante este cenário, os portugueses andavam já a escolher a equipa estrangeira que iriam apoiar no Mundial, tal como tinham feito nos 20 anos anteriores. Foi então que o Bom Gigante soltou o famoso "Deixem-me sonhar", e foi massacrado com todo o tipo de comentários, entre o indignado e o jucoso.
Nesse belo dia, penso que também no mês de Outubro, Checos e Suecos jogaram à tarde, e a Suecia, para piorar ainda mais o clima, marcou primeiro. Mas os altos e louros acabaram por levar dois golos dos Checos, que tiveram um ataque de brio. Primeira parte do sonho cumprido. À noite, RFA-Portugal, em Estugarda: os alemães com toda a sua artilharia pesada; a malta num inovador 1-8-1-0, com o malogrado José António na sua primeira e única internacionalização a líbero, Frederico e Venâncio (já com 352 operações ao joelho em cima) à sua frente, dois laterais direitos (João Pinto e Veloso), dois laterais esquerdos (Inácio e Mário Jorge), Pacheco e Carlos Manuel no meio, e lá à frente (mesmo assim um bocadinho antes da linha de meio-campo), Gomes. E o Galrinho na baliza.
E ganhámos aquilo. Com o Carlos Manuel com mais doping do que todo o pelotão do Tour, é certo, mas ganhámos aquilo. E porque é que conseguimos ganhar a uma das equipas mais poderosas de todo o sempre, com um onze mal amanhadito e frágil como o nosso? Porque os rapazes estavam com vontade de ganhar. E debitaram naqueles 90 minutinhos suor suficiente para encher o Alqueva; e quando se debita muito suor, o ar fica rançoso, e cria-se o ranço suficiente para que as bolas que vão entrar desviem um bocadinho e batam nos postes.
Concluindo: a razão, a lógica, o 2+2=4, essas merdas todas, podem ser arrazadas se o lado desfavorecido tiver uma vontade indomável de vencer. É essa vontade que faz com que os Betos desta vida, cujos pezinhos foram feitos para dar pontapés em pedras e não em objectos esféricos e almofadados, até consigam ser profissionais da bola e marcar golos ao Manchester.
Assim seja o meu Benfica contra o Barcelona. E porque acredito que assim vai ser, mantenho o meu prognóstico: ganhamos 2 a zero em casa e perdemos 1 a zero fora. E mai nada.
Ah, e que o voo da nossa Águia Vitória ilumine o caminho dos nossos rapazes, e que os leve às meias-finais (para já).
NG
adenda1: e isto nem o cabrão do
maradona poderá refutar (you ask for it, you got it)
adenda2: enquadramento da adenda1 :
"Porque é que ninguém se dá ao trabalho de me insultar?", maradona, algures em Março de 2006.
adenda3: vá lá rapaziada, um insultozito, ainda mais a quem o pede, não custa nada. Nem que seja um "sacanita" ou um "coninhas". Qualquer coisinha, vá.