O poço
Um grande azar, daqueles que não acontecem em filmes, fê-lo cair no poço. Um poço fundo e escuro. Não gritou, não chamou por ajuda. Deixou-se ficar, no conforto do escuro, do frio e da solidão. Eles, familiares e amigos, chegaram. E chamavam-no. A um estremecimento inicial, seguiu-se uma inércia inabalável: não queria largar o poço. Sentia que só ali podia estar. Os chamamentos continuavam. Eles não desistiam. Irritava-o a insistência. Sentia o seu conforto perturbado, mais ainda com as tentativas de o resgatar, com o lançamento desastrado de cordas e escadas improvisadas. Um dia decidiu falar: pediu que o deixassem em paz; assegurou que estava bem; disse para irem à sua vida. Eles assim não o fizeram. Aumentaram as insistências, redobraram esforços, engrossaram as vozes. Ele aninhava-se no fundo do poço, agora agarrado às suas lágrimas. Sentiu, pela primeira vez, a humidade a morder-lhe a pele. Enterrou as mãos na lama, tirou toda a que pode, procurando um caminho. Nada encontrou. Esgotado, fechou os olhos, e adormeceu ouvindo o que eles diziam. Quando acordou, sentiu um frio impossível. Por entre a escuridão, encontrou a luz que vinha das vozes deles. A luz feriu-lhe os olhos, mas aqueceu-lhe o corpo. E deu-lhe um pouco de força, a suficiente para falar com eles, para pedir ajuda. Que não tardou. Subiu uma longa mas firme escada, limpou a lama do corpo e, sorrindo para eles, abraçou a vida.
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