quarta-feira, fevereiro 21, 2007

"O Governo de Sócrates não resolveu o défice orçamental e agravou o défice democrático"

A liberdade, em Portugal, é mal compreendida e, também por isso, pouco estimada. Para os portugueses, a liberdade é um saco cheio de direitos – a maioria “adquiridos” -, e onde se inclui o direito de retirar direitos aos outros, e poucos ou nenhuns deveres.
Exemplos são muitos, mas refiro apenas dois:
- O caso das caricaturas de Maomé, onde até um ex-Ministro, com a cobertura do Primeiro-Ministro, condenou as “brincadeiras” com religião;
- O sketch dos Gato Fedorento sobre Marcelo Rebelo Sousa, que levou alguns a “exigirem” o contraditório.

Em suma, o conceito de liberdade em Portugal “depende”. “Depende” daquilo que cada um acha que é aceitável que alguns façam e que outros têm o dever de lhe fazer.

Perante esta relação com a liberdade, é natural que se confunda Democracia com Liberdade. Aliás, a confusão leva a que se fale de Democracia como se fosse um sinónimo de Liberdade. Convém, por isso, recordar que Democracia é apenas um sistema de organização social, onde, simplesmente, se elegem órgãos de poder político, através de votos. E, apesar de ser o melhor sistema que se conseguiu arranjar, continua a ser um sistema muito fraquinho, onde, com maior ou menor dificuldade, os governantes conseguem fazer quase tudo o que querem. Recordo que tudo o que Chavez fez, e se prepara para fazer, tem legitimidade democrática. De uma maneira muito simples, e a regra da Democracia é apenas essa, foi a votos e ganhou. Ponto final.

Dir-me-ão que Portugal não é a Venezuela, e não é de facto. Mas, o que é certo, é que o sistema democrático é potencialmente tão frágil em Portugal como na Venezuela. O equilíbrio de poderes, que passa pela distribuição dos mesmos por 4 orgãos – Governo, Assembleia da República, Tribunais e Presidente da República – reduz-se, actualmente, a apenas 2. Explico: o poder dos Tribunais resume-se à aplicação da legislação vigente, que é emanada pelo Governo e pela Assembleia da República. Nesta altura, o partido do Governo domina a Assembleia da República, e o partido é dominado pelo Governo, logo o Governo domina a legislação, e, consequentemente, os tribunais.
Logo, nesta altura em Portugal, subsistem dois órgãos de soberania efectivos: o Governo e o Presidente da República. Como este último, basicamente, tem como único poder a dissolução do Governo e da Assembleia da República, resta-nos, para a maioria das decisões, uma única fonte de poder.

Esta longa introdução serve apenas para expor que nunca podemos dar a liberdade como garantida, especialmente se entendermos que, para isso, basta vivermos em Democracia.
Não basta, de todo. A Democracia confere poderes ilimitados a quem é eleito, dado que o único limite é a lei, que, quem é eleito nas condições da actual maioria, pode alterar ao seu belo prazer. Daí que a Democracia só funciona se quem for eleito seja, não apenas um democrata, mas alguém que defenda convictamente a liberdade. Se assim não for, a Democracia entra em défice.

O que Sócrates tem feito até agora como Primeiro-Ministro, na sua essência e também de algum modo na forma, é semelhante ao método Chavez. Ambos são burocratas, no sentido em que aplicam estritamente as regras do jogo. Contestações ao novo aeroporto? “O Governo tem toda a legitimidade para avançar”. Críticas ao modelo da Segurança Social? “Ninguém quer que a Segurança Social deixe de ser pública e o Governo tem toda a legitimidade de avançar”. Os bancos arredondam taxas de juro? “Seja legal ou não, o Governo tem toda a legitimidade para acabar com isso”.
Juntando este espírito burocrata a uma total indiferença pelo valor absoluto da liberdade – patente no avanço apressado para o Cartão Único, no aumento da desproporção de forças entre o fisco e os contribuintes, etc, etc – e os tempos de antena de Sócrates, tipicamente Chavez, onde o líder iluminado discursa para uma multidão que o recebe em apoteose, temos o principio de um grave problema.

Sócrates não será, e tenho 99% de certeza disso, o Chavez português. Mas está a “abrir-lhe” as portas.

Recuperando o “teaser”, o governo de Sócrates não resolveu o défice orçamental e agravou o défice democrático. Dois factos que nos devem fazer pensar.

NG