terça-feira, junho 13, 2006

Ganda baile

O futebol de salão, aquele com uma bola minuscula e pesada, era um jogo necessariamente objectivo, de poucos dribles e muita bicarada, pouca fantasia e muita porrada. Era isso que eu jogava. Um dia, um colega meu de liceu convidou-me para jogar na equipa dele. Precisavam de um defesa, um bom defesa, acrescento eu. E lá fomos jogar com uma equipa qualquer do liceu de Carnaxide. Os meus colegas de equipa passaram o jogo em dribles, ratadas, toques de calcanhar, nunca chutando à baliza. Invariavelmente, lá estava eu sozinho com três dos outros, procurando desesperadamente cortar a bola, para a devolver para o carrossel. Perdemos três a zero e eu confrontei os artistas que jogaram comigo com a derrota. "Vocês nem chutaram à baliza, caralho!", disse eu. "Mas demos um ganda baile!", disse o gajo com cabelo à surfista.
Era assim o futebol português da altura: grandes bailes, grandes derrotas. O Porto foi à final da Taça das Taças com a Juve: grande baile, derrota por 2-1. Portugal foi às meias-finais do Europeu de 84: grande baile, derrota por 3-2.
Isto revoltava-me. Para mim o futebol sempre foi um jogo para ganhar. Talvez por isso, quando em 82 toda a gente salivava com o Brasil de Falcão-Zico-Sócrates-Eder, eu torcia pela Alemanha de Stielike-Briegel-Littbarski-Rummennige. Uns davam baile, os outros ganhavam. Ambos acabaram por perder com a Itália, a equipa que instituiu o contra-ataque e que ainda se preocupava menos com dar baile que a Alemanha.

Muita gente, entre os quais a maioria dos nossos jornalistas desportivos, têm saudades do tempo em que as equipas portuguesas davam baile. Prova disso, foi o prémio de melhor treinador da temporada 2004/2005 entregue ao Peseiro, cujo Sporting jogava o "melhor futebol" do país. Grandes bailes dava o Sporting de Peseiro. Grandes derrotas (derrota com o Benfica, perdendo o Campeonato; derrota com o CSKA, perdendo a UEFA). A tradição ainda é o que era. Não é de estranhar, por isso, aqueles comentários estúpidos ao jogo de Angola. Não houve baile, como os jornalistas gostam. E eles ainda não perceberam que no futebol não existe o conceito de justiça. Ganha quem mete mais bolas na baliza do outro. E basta uma, num único ataque. E quem ganha é sempre um vencedor justo. Sempre. Foi isto que os alemães e os italianos perceberam primeiro que toda a gente. Foi isto que os brasileiros tiveram que perceber para voltarem a ganhar.
Nunca pensei dizer isto, mas ainda bem que o nosso seleccionador é brasileiro. Passámos a ter hipóteses de ganhar alguma coisa.

NG