sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Liberdade, azeite e água

Já aqui se falou das conquistas de Abril – do passe social – das liberdades de cada um, do espaço de cada um e do respeito pelo próximo – ou até mesmo pelo anterior.
Já aqui se discutiram opiniões contrárias, choques tecnológicos, choques de culturas, choques eléctricos, choques de frente.
Por este [ai-dia] já passou muito do que nos ia na alma. Já passou muito do que sentimos e do que somos.
Esta é a nossa liberdade.
Porque há outras. Há a liberdade constitucionalmente aceite de apredejar uma mulher porque foi infiel ou desrespeitou os seus deveres matrimoniais. Há a liberdade socialmente aceite de se castigar com vergastadas uma criança porque desobedeceu aos seus pais. Há liberdade de se condenar à morte por lapidação alguém que teve um filho fora do casamento ou a liberdade de se impedir que alguém olhe para outrém olhos nos olhos. Todos estes actos são reflexos de uma liberdade, de uma cultura, de uma tradição. Todos estes actos são reflexos de uma realidade que, enquanto escrevo, acontece.
Uma pira em Nova Deli não é um crematório no Alto de S. João.
Passar dias sem comer é dieta forçada; não é sacrifico religioso.
Valerá se calhar pensar que o que nós achamos de hediondo, outros acharão divino. Que muito do que nós achamos repugnante, outros acham o expoente máximo de um qualquer ideal.
Ideal seria então pensar um bocadinho antes de nos insurgirmos contra a insurreição armada que grassa pelo médio oriente.
Sentir-se-ão as pessoas ofendidas no direito de retaliar?
É óbvio que sim, uma vez que essa liberdade está consignada nos seus direitos básicos. Nas suas básicas liberdades.
Aceitamos nós ocidentais essa forma de repúdio face a uns meros desenhos?
Claro que não, uma vez que a nossa realidade é bem diferente e não pegamos em armas cada vez que nos queremos insurgir.
E esta nossa arrogância de ocidente civilizado onde grassa o desrespeito e a indiferença? É uma marca que temos, a de civilizados do hemisfério norte por oposição aos labregos lá de baixo. São os pretos, os árabes, os talibans, os terroristas. São todos os que não são como nós. Basta pôr uma etiquetazita e resolve-se a coisa. São diferentes? Põe-lhe o rótulo. E se conseguíssemos acabar com esta praga dos “panascas” então é que era. Isso é que era. De vez em quando sente-se um cheirinho a “pureza da raça” no ar. Um arzinho ariano. Um toquezinho muito ligeiro – porque isso é feio e nós somos muito civilizados e isso não se faz nem se diz. Mas pensa-se.
O mundo é demasiado grande para homogeneizar. Não é assim e nunca será.
Neste caso, são duas realidades que a história se encarregou de provar não conseguirem uma coabitação saudável e próspera. Não é possível. Não conseguimos jogar juntos. Não entendemos e não queremos entender tanto quanto os outros nos querem entender a nós. E não adianta dourar a pílula com muçulmanos ocidentalizados e vice-versa.
Água e azeite não se misturam. Não adianta abanar. Basta respeitar. E a liberdade para o fazer, nós temos. Todos.