sexta-feira, dezembro 23, 2005

Memórias de Natal (2)

IV) "Vem aí o Menino Jesus", exclamou a minha mãe. E de facto, conseguia ouvir barulho vindo da cozinha. O meu coração palpitava. Passados uns minutos, lá fomos para junto da chaminé da cozinha, onde se viam umas prendas. Ignorei as prendas. O que eu queria saber era como é que o Menino Jesus tinha entrado em caso. "Pela chaminé", disseram-me. Espretei, para confirmar o que já sabia: a nossa chaminé estava tapada com um exaustor. Nesse dia, deixei de acreditar no Menino Jesus. Foi o primeiro passo para me tornar ateu.

V) Na televisão, uma menina portuguesa gritava o "Uma casa portuguesa". Era a representante portuguesa num programa italiano de "talentos" jovens. O meu pai impôs silêncio em casa, dado que era Portugal que estava em causa, ou melhor, a Pátria (não, não sou filho de Manuel Alegre). Acontece que a menina tinha um buço, diria um buço bem português. E fiz um sinal disso mesmo ao meu irmão. E apesar da imposição de silêncio do nosso patriarca, o riso explodiu. "Vocês deixam-me ouvir?", inquiriu, zangado, o meu pai. Não, não dá. E cantei, ou melhor, gritei, o "Casa portuguesa" toda a noite, com um dedo debaixo do nariz, imitando a "nossa" pilosa representante. Que não ganhou o tal programa, claro.

VI) 23 de Dezembro de 1990, perto das 10 da noite. Consegui arrumar o carro, finalmente, perto das Amoreiras. Os horários do meu primeiro mês de trabalho, não me deixaram sequer pensar no Natal. Entrei assim nas galerias do Taveira, com montras já despojadas, tentando em cerca de 10 minutos comprar tudo para toda a gente. Livros e CDs - a maior parte deles escolhidos pelo título - e já estava para a família. Para os amigos, uns postais. Dirigi-me à loja e as prateleiras estavam completamente vazias. Restavam apenas uns postais, idênticos, com um monstro verde. Que se lixe, forma mesmo aqueles. E acabei por achar piada à coisa. Foram com certeza os postais de Natal mais originais que já dei a alguém.

(actualizado)

NG