segunda-feira, maio 30, 2005

Gosford Park

No filme de Altman, os pisos de cima de uma mansão eram ocupados por gente ociosa, entediada e enfadonha, que discutia o sexo dos anjos enquanto beberricava chá e se empaturrava com scones. Nos pisos de baixo, os criados trabalhavam freneticamente para satisfazer todos os caprichos da gente de cima, inclusive os de origem libidinosa, frenesim esse desprezado ou no mínimo ignorado.

Numa fábrica na China, retratada na última World Press Photo, todos os dias pelos menos um trabalhador fica extropiado no decurso do seu trabalho. Apartamentos de 10 metros quadrados albergam 8 trabalhadores cada.

Na Coreia do Sul, uma dealer de um Banco de Investimento confidenciou ter uma semana de férias por ano.

Várias organizações internacionais, mostram cada vez mais preocupação com a intensificação do chamado "turismo sexual" em países como o Brasil.

Muitos franceses votaram Não contra o pretenso neoliberalismo da constituição europeia que atenta contra o estado social.

Holandeses, em entrevistas de rua, afirmaram-se contra a União Europeia por permitir um cada vez maior fluxo de imigrantes.

Nós, europeus, com os nossos carros, plasmas, telemóveis e tudo aquilo que os trabalhadores terceiro-mundistas nos permitem ter a um preço acessível, recusamo-nos a sair dos pisos de cima. E reagimos mal quando os nossos criados dos pisos de baixo tentam subir as escadas, excepto se forem esbeltas e do sexo feminino, e ainda assim por pouco tempo.

Algures nesta mansão, tal como no "Being John Malkovich", haverá um "meio piso"?

NG

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que bela analogia...
Bjs
s

11:04 da manhã  
Blogger NG said...

Muito obrigado, querida leitora. Você é muito simpática, que tal jantarmos um dia destes?

1:18 da tarde  

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